--- Walter
Medeiros* –
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A mulher com o “olhar no portão” sonhava,
esperava, acreditava que um dia veria chegar de volta o seu
marido. Mas o tempo da sua vida não foi suficiente; ela
morreu e ele não voltou. Passou cerca de 28 anos esperando
notícia do paradeiro do lutador que foi preso em 1974 pelos
órgãos de repressão do regime militar e nunca mais deram
informação sobre o seu verdadeiro destino. Assim, o
ex-deputado Luís Maranhão Filho, que teve seu mandato
cassado, foi preso e entrou para a lista dos desaparecidos
políticos. Nunca voltou, para tristeza de Dona Odette.
O Estado brasileiro reconhece hoje que foi
feito um mal à família daquele homem e pede perdão de
público. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
anistiou aquele potiguar, juntamente com muitos outros que
foram perseguidos, como Agnelo Alves, Garibaldi Alves,
Iaperi Araújo, Gileno Guanabara e Marcos Guerra. Eles
entraram no rol onde já estavam Glênio Sá, Meri Medeiros,
Luciano Almeida, Cassiano Arruda e outros. A cada
julgamento, alguém afirma que é preciso lembrar sempre o que
ocorreu naquele período, para que não se esqueça e que para
que tais fatos nunca mais aconteçam.
A emoção era geral em cada canto da
Assembléia Legislativa, onde foi descerrada uma placa
homenageando Luiz Maranhão. Seu sobrinho-neto, Haroldo
Maranhão, fez um curto discurso emocionado, lembrando o que
chamou de tempos de jeep. Explicou que teve um jeep de
brinquedo, com o qual se divertia muito. Era um brinquedo da
época, principalmente em Natal, resultado da movimentação da
Segunda Guerra Mundial. Mas depois apareceram para Haroldo
os jeeps verdes, dos quais saíam homens de botas e
capacetes, naquele ambiente onde seu tio desapareceu. Depois
ficou sabendo que ele “foi levado para Recife, Fernando de
Noronha, Rio de Janeiro, São Paulo e Nunca Mais”.
Num telão mostraram cenas do período da
ditadura, que trouxeram de volta até aquele cheiro de gás
lacrimogêneo, mas também promoveram o reencontro de velhos
sonhos, conforme as palavras da vice-presidente da Comissão,
Maria Aparecida Abelardo. Ela mostra a importância de
conhecer o passado e reconstituir a verdade através dos
processos de anistia, que acumulam histórias densas e
intensas que o Brasil precisa conhecer. Mais de 65 mil
pessoas foram atingidas pelo regime militar.
Os chamados “anos de chumbo” vividos pelo
Brasil entre 1964 e 1985 constituíram um tempo atribulado,
mas também – ao mesmo tempo - uma era de muita fibra, de
muita luta, de muita resistência no Rio Grande do Norte.
Resistência à injustiça, à falta de liberdade; resistência à
solidão das noites nas quais ninguém podia nem devia
procurar notícias de alguns companheiros, para não desfalcar
o movimento, pois as movimentações poderiam terminar em
prisões, em desaparecimentos ou mortes.
Naquele tempo, em Natal, os militantes
tinham de possuir uma intuição muito aguçada, para escolher
em quem confiar, pois cada desconhecido podia ser um agente
da ditadura. A qualquer momento qualquer ativista podia
ver-se diante de um fuzil, de uma sala escura e de um
inquisidor, determinado a descobrir até o que não sabia, mas
que achavam que devia saber. Todos viviam sobressaltados,
pelo simples fato de defender a liberdade, o direito ao
habeas-corpus, o direito de votar para Governador, Prefeito da
capital e um terço do Senado.
A despeito de tudo aquilo, presenciávamos
a cada momento gestos de coragem de incontáveis militantes,
destemidos democratas, resistentes cidadãos, que guardavam
aqueles livros que não podiam ser encontrados em nas casas
dos militantes, o que aumentava a certeza de que o dia
anunciado por Vandré vinha vindo. Cada filme no cinema de
arte no cine Rio Grande era um grande ato democrático; cada
música executada nos diretórios acadêmicos era uma ascensão
da luta; cada obra de arte encenada era um impulso imenso
para a derrocada do regime de exceção.
Quem optava por caminhar esses caminhos,
findava marcado e perseguido. Naquele quadro, cada um vivia
a sua história e encontrava a face implacável do poder de
exceção, um poder desigual e injusto. Foram anos de solidão
e aflição dos interrogatórios, das acareações e dos
assédios. Mas foram também dias de ânimo cívico, têmpera
revolucionária e coragem democrática. Uma luta ora aberta,
ora solitária, ora clandestina, mas sempre no rumo de um
amanhã, que seria outro dia, como dizia Chico Buarque. O
outro dia chegou. Estamos a vivê-lo. E é importante fazer
com que tudo aquilo tenha realmente valido à pena.
*Jornalista
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